Ainda ando às voltas com o livro "A vida não se aprende nos livros" de Eduardo Sá. Um livro com textos curtos, em tom informal em que o autor parece entabular uma conversa com o leitor, conduzindo-o, sem dúvida, à reflexão sobre temas pertinentes relacionados com a maternidade/ paternidade, o amor e os sentimentos.
Hoje não resisto em registar aqui no blog mais um excerto interessante deste homem que "escreve como fala" e "tem o condão de ser capaz de nos guiar pelo labirinto das emoções sem pressas."
Temos por hábito rotular os nossos filhos. Por mais que nos digam que é incorrecto, que pode causar um impacto negativo, às vezes torna-se mais forte do que nós (ou do que a nossa razão) e lá se nos escapa: és um malandro!; És teimoso!; O meu filho é difícil!.
O meu filho, costumo eu dizer, tem uma personalidade muito vincada e forte e sabe perfeitamente o que quer... e às vezes isso gera situações mais complicadas, porque enquanto mãe tenho que o saber conduzir e fazer entender que há coisas correctas, e coisas incorrectas. Coisas para as quais ainda é demasiado pequeno, coisas sobre as quais ele ainda não pode decidir, situações em que ele não pode mandar, entre outras. Para quem está do lado de "fora", muitas vezes veêm no meu filho, uma criança difícil. Mas não serão todas as crianças dificeis? Não seremos nós adultos difíceis?
"Há adultos que teimam em achar que algumas dificuldades que as crianças trazem à sua preguiça de as pensar as transforma em crianças difíceis.
As crianças difíceis não se sujam, obrigatoriamente, quando comem gelado, não são mal educadas sempre que tomam a palavra na escola, e os seus quartos não são, invariavelmente, «pequenas selvas» onde se tropeça em roupa, livros, e em pacotes de bolachas.
As crianças difíceis - falando demais ou ficando barricadas em silêncio, sendo arrumadas ou varrendo, ciclonicamente, a secretária e os papéis dos pais - são todas aquelas acerca de quem os mais crescidos se recusam a pensar, com a desculpa de que não trazem, numa última página, só para os mais crescidos, todas as soluções.
As crianças difíceis são todas aquelas acerca das quais os pais reconhecem que lhes dão problemas, como se, na vida, difícil de todo não fosse crescer sem os criar e sem ter quem os ajude a resolver.
As crianças difíceis são todas aquelas que, por serem demasiado iguais a alguns dos pais, os fazem recusar ver nelas o que tentam esconder de si próprios.
As crianças difíceis são, também, aquelas que parecem «adultos de calções» junto de quem os pais, de tanto se anularem, se tornam crianças de gravata. Porque - não se esqueça - atrás de uma criança difícil está um adulto em dificuldades e que, ao defini-la assim, acaba por dizer que há dificuldades que se tivessem uma solução... já a teria visto."
Eduardo Sá