Semana 1 - Tema: amizade
O que sobra da Amizade
Tenho 36 anos e já me questionei amiúde sobre esta temática. Afinal o que é a amizade, como é que ela nasce, como é que ela cresce, e sobretudo como é que ela se cultiva de modo a ficar para sempre na nossa vida?
Na infância e adolescência ter amigos parece coisa fácil. Eles aparecem como cogumelos e a nossa selectividade ainda se resume a coisas supérfluas.
Depois chega-se ao fim da vida de estudante. Cada qual parte para seu lado: uns casam, outros vão para a universidade e outros ainda emigram e os caminhos dessas amizades aparentemente tão fáceis e seguras acabam por divergir.
Quando finalmente temos tempo para olhar para trás, descobrimos que pouco ou nada restou desse grupo de amigos. O que foi feito da melhor amiga de infância, da melhor amiga da adolescência?
Éramos um grupinho unido, cinco cachopas da mesma idade. E com uma delas eu passava todo o meu tempo livre. Ela passava tardes inteiras em minha casa com o pretexto de estudar. Eu dormia em casa dela com o pretexto de estudar. Mas o que nos unia era muito mais do que o estudo. O que nos unia era a cumplicidade, a sinceridade, a partilha e a união.
Vínhamos de realidades completamente diferentes: eu de uma família liberal, ela de uma família conservadora e muito rígida no que à liberdade das raparigas dizia respeito. Ela não podia sair à noite, não podia conversar com pessoas do sexo oposto, não podia namorar. Eu por meu lado sempre tivera rédea solta e os meus pais depositavam em mim toda a confiança do mundo. Talvez por isso não tenha cometido grandes asneiras nesta etapa da minha vida.
Muitas vezes a mãe da minha amiga ia para a porta de minha casa a chamar pela C. a fim de confirmar se de facto ela lá estava. E estava, mas não a estudar. De forma a convencer a Sr.ª de que tudo estava bem eu lá lhe dizia – entre D. I., e ela entrava para se certificar que a filha estava mergulhada com a cabeça nos livros. Agradada com o cenário, a D. I. lá voltava para casa recomendando à filha: - Vê lá se tens juízo. Quero-te em casa as 19.00 horas. Assim que ela virava costas a porta do guarda-fatos abria-se e a C. voltava ao namorico com o R., que é agora o seu marido.
Este é apenas um episódio de muitos que foram durante largos anos alimento para a nossa amizade.
O dia da separação chegou. Eu, depois de uma fugaz passagem pela universidade, emigrei. Ela concluído o 12º ano, casou e emigrou. Os nossos caminhos seguiram destinos diferentes e só anos depois nos reencontramos. Frente a frente. Sem nada a dizer. Um abismo, um vazio. Onde ficaram as raízes dessa amizade que parecia ser para a vida? Ainda tentei. Procurei-a uma e outra vez. Dei-lhe o meu contacto telefónico, a minha morada, o meu endereço de e-mail. Mas o vazio ficou e aquela amizade ficou para sempre no passado. E agora não é mais do que uma recordação.
O que sobra da amizade? É a pergunta que muitas vezes me assola. Não só sobre esta amizade, mas sobre tantas outras, que ao longo da minha vida deram cor aos meus dias. Agora não passam senão de memórias que algures povoam o meu passado.