Celebrou-se ontem o dia da poesia e dos poetas. Não sou leitora voraz deste género, mas de vez em quando abro ao acaso um livro de poesia e deixo-me guiar pela melodia das palavras de um ou outro poema.
Partilho aqui um dos poemas com que me cruzei recentemente e que me conseguiu tocar:
Um poema cresce inseguramente
Na confusão da carne.
Sobre ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
Talvez como sangue
Ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
Ou os bagos de uva de onde nascem
As raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
Do nosso amor,
Rios, a grande paz exterior das coisas,
Folhas dormindo o silêncio
- hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
Invade as casas deitadas nas noites
E as luzes e as trevas em volta da mesa
E a força sustida das coisas
E a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.
Herberto Hélder, Poesia toda
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