"Qualquer um podia ver como o terror inundava os olhos do rapaz.
Então, o oficial introduziu a ponta da lâmina naquela boca que teimava em permanecer fechada. Ao mesmo tempo que procurava não ferir Koller, que puxava com força para abrir a mandíbula, tentou cortar a língua, pondo-se na ponta dos pés, basculando o seu próprio peso sobre o joelho no estômago do pequeno, como um barbeiro a arrancar um molar. Mas não podia. Quase sem fôlego, o rapaz não deixava de se mexer, e escapava por instantes da prisão dos soldados. O sangue começou a esguichar abundantemente. Os seus uivos de dor encheram o bosque.
- Merda, segurai-o. Com mais força! - gritou o oficial.
- Estamos a tentar, senhor - disse Bawer -, mas o cabrãozinho não para quieto.
- Pois tanto pior para ele.
Levantou o punhal e deixou-o cair sobre o rosto assustado. Passou rente à mão de Koller, que se afastou mesmo a tempo. Um olhar de surpresa assomou aos olhos do soldado. Agravou-se com o terrível grito do rapaz, inumano. Já não tinha capacidade para emitir palavras, apenas sons abafados pelo gorgolejar do sangue que lhe entrava pela garganta e que, se não o socorressem, em breve inundaria os pulmões. O golpe, horrível, havia cortado rente os lábios do menino e ferido a língua e as gengivas. Algum dente caído revelava o branco por entre a erva e a lama. Ainda preso a um pedaço de carne viva, palpitava no solo como uma serpente decapitada. Os soldados não conseguiam afastar a vista do espetáculo sanguinário que se lhes apresentava. Não queriam olhar e, no entanto, não podia deixar de o fazer, silenciosos."
Excerto de A oficina dos livros proibidos de Eduardo Roca
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